Danças no Limbo
Esta noite acordei sobressaltado.
Tinha acabado de ter um pesadelo.
Todo eu era suor. Por momentos ainda pensei que a cama molhada fosse o resultado de uma noite escaldante de sexo ou da "incontinência" própria da idade do meu filho, que se havia mudado para a minha cama a meio da noite. Mas não. Tinha acabado de ter um pesadelo.
Sonhei que após muitos anos de estudos em Saúde Ambiental e depois de trabalhar num serviço de Saúde Pública, que lentamente recuperava da sua morbidez; depois de muitos anos a lutar pela valorização dos Técnicos de Saúde Ambiental; depois de uma década em que vivi a Saúde Ambiental de forma tão intensa que a julguei parte de mim; depois de criar expectativas de ver, finalmente, reconhecido o papel importante que estes profissionais têm ao nível dos cuidados de saúde primários; depois...
Depois de tudo isto, que parecia o início de um belo sonho, de repente, alguém me gritou:
- ACABE-SE COM A SAÚDE AMBIENTAL!
Olhei em volta e não vi ninguém. Ao longe, vislumbrei umas sombras que sussurravam:
- Croquetes e retretes!
- Técnicos Sanitários... sanitas... sanitas...
- Saúde Ambiental... saúde mental... mental...
Corri naquela direcção, mas era tarde de mais.
Mais uma vez, as sombras não passavam disso mesmo. Sombras! Vultos sem rosto. Palavras sem dono.
- Croquetes e retretes!
- Técnicos Sanitários... sanitas... sanitas...
- Saúde Ambiental... saúde mental...
Os sussurros continuavam. Desta vez vinham de todo o lado. Tentei tapar os ouvidos. Era tarde de mais. Aquelas palavras multiplicavam-se e ecoavam dentro de mim. Sentia-me vazio e dentro de mim, aquelas palavras ecoavam. Faziam vibrar a frágil estrutura que em tempos havia sido o alicerce de um técnico empenhado. Agora a estrutura desmoronava-se. Agora o técnico desistia.
Fui caminhando, tentando fugir dos ecos que havia em mim. Olhava para trás, para um lado e para o outro e, os vultos lá estavam.
- JÁ NÃO POSSO MAIS!!
Rastejo. Ouvem-se risadas. Vêem-se sombras que em círculo vão cantando e dançando.
Encontro-me no limbo. Aqui perece a Saúde Ambiental que nunca deixou de ser criança. Aqui morre um sonho, que se tornou pesadelo.
Esta noite acordei sobressaltado.
Tinha acabado de ter um pesadelo.
Levantei-me, tomei banho e comi uma torrada dura, barrada com manteiga rançosa.
Ao sair de casa, para ir trabalhar, beijei o meu filho na testa e segredei-lhe ao ouvido: - amo-te.
Quando cheguei ao meu trabalho, já nada havia.
Tinha sonhado acordado!