Uma Ordem: porquê e para quê?
Dou-vos a conhecer as razões para a criação da Ordem dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, apresentadas pela Organização Portuguesa de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica (OPTDT) Pró-Ordem aos deputados da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social.
O texto que a seguir transcrevo (excepção feita aos anexos referidos no documento original) acompanhava a mensagem de correio electrónico que recebi da OPTDT Pró-Ordem e cujo conteúdo pode ser lido aqui.
«Ao colocarmos esta questão prévia e, sem querer induzir para a resposta que (naturalmente) daremos, fará sentido uma reflexão sobre o percurso das nossas profissões, suas vitórias e derrotas que ao fim e ao cabo nos conduziram ao estadio em que nos encontramos.
Colocamos desde logo o plural, profissões, pois pensamos que a maior virtualidade dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, tem sido o de globalmente pensarem como um todo e nunca menosprezar a parte, ou seja, se entre nós temos profissões com um número significativo de Técnicos ou mais antigas na história das profissões de saúde, outras são bem recentes, ou quase únicas no panorama europeu, com um número de Técnicos ainda reduzido e por isso, ao termos uma matriz única tem sido sem dúvida um obstáculo decisivo às tentativas, até agora infrutíferas, de desunião destes profissionais o que não quer dizer que o perigo não seja real, o que nos coloca desde logo a necessidade de reorganizar a nossa representação institucional, ou seja se as “vozes” existentes (Sindicatos e Associações) até agora não têm tido sucesso na colocação dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica nas prioridades políticas de saúde, alguém TEM/DEVE ocupar esse espaço.
1 – Resenha Histórica da Formação
Base fulcral de qualquer profissão é a sua formação de base e, 1901 com a criação do Laboratório de Análises do Hospital de S. José pelo Enfermeiro Mor Prof. Curry Cabral é comunamente assente como o início formal das nossas profissões que têm o seu fundamento no então publicado Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, que vem criar o Real Instituto Bacteriológico de Lisboa e o Laboratório de Bacteriologia do Porto e os cursos auxiliares de histologia, microscopia clínica e outros…
Em 1927 reorganizam-se os Serviços de Análises Clínicas dos Hospitais Civis de Lisboa, autonomizando diversos Laboratórios dos Hospitais que o integravam.
Reorganizam-se, em 1945, os Serviços de Saúde do Império Colonial Português com a criação de quadros próprios para Laboratório, Farmácia e Radiologia.
Em 1948 o Estatuto do Ensino Profissional, Industrial e Comercial vem criar o curso de auxiliar de farmácia e o curso de auxiliar de laboratório biológico.
Os cursos de Preparação de Técnicos e Auxiliares dos Serviços Clínicos do Ministério da Saúde e Assistência são regulamentados em 1961, sendo que a duração do curso técnico era de 1 ano + 3 meses + estágio e o curso de auxiliar de 6 meses + 3 meses + estágio.
No ano seguinte, 1962, nas colónias é regulamentado o curso de preparadores de laboratório, farmácia e radiologia com a duração de 3 anos, enquanto que os Hospitais de S. João no Porto, Hospitais da Universidade de Coimbra nessa cidade e, o Hospital de St.ª Maria em Lisboa são núcleos dos Centros de Preparação de Técnicos Auxiliares dos Serviços Clínicos (laboratório, farmácia e radiologia) com formação regulamentada de 18 meses!
Com o advento da Liberdade trazida com o 25 de Abril de 1974, a formação dos técnicos é praticamente suspensa por reestruturação dos serviços do Ministério da Saúde e, em 1980 são reestruturados os Centros de Formação de Coimbra, Lisboa e Porto, criando-se em 1982 as Escolas Técnicas de Serviços de Saúde (ETSSs) de Coimbra, Lisboa e Porto.
Em 1990 por Despacho conjunto dos Ministérios da Saúde e Educação é proposta a integração do ensino dos técnicos de diagnóstico e terapêutica no sistema educativo nacional, o que vem acontecer em 1993 com a integração das ETSSs no Ensino Superior Politécnico passando as Escolas a designar-se de Escolas Superiores de Tecnologia da Saúde (ESTSs), sendo aí ministrados 18 cursos.
O ano de 1999 traz às ESTSs a capacidade de conferirem o grau de Bacharel e Licenciado, sendo que em 2000 são regulamentados os Cursos Biétapicos de Licenciatura, situação que se mantêm no presente.
2 – Exercício Profissional
Se o grande documento legal das carreiras de saúde no sector público era o Decreto-Lei n.º 414/71 de 27 de Setembro, que incluía as carreiras dos profissionais de diagnóstico e terapêutica, o mesmo veio a ser revogado após o 25 de Abril com a criação do primeiro diploma específico para as nossas profissões, o Decreto Regulamentar n.º 87/77 de 30 de Dezembro de início de aplicação somente aos serviços dependentes do Ministério da Saúde e posteriormente aplicado aos restantes Ministérios onde exerciam técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Já no sector privado, até aí sem qualquer regulamentação específica, foi publicada e 8 de Dezembro de 1977 a Portaria de Regulamentação de Trabalho para os “Trabalhadores em consultórios médicos, policlínicas, estabelecimentos similares e outros”.
Ambos continham a virtualidade de definirem que após a sua publicação só seria permitida a contratação/admissão para o exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica aos detentores de curso reconhecido pelo Ministério da Saúde.
Se este desiderato foi sempre cumprido no que ao sector público dizia respeito, invocando a “liberdade sindical” (sic) organizações não representativas de técnicos de diagnóstico e terapêutica ou com fraca representatividade logo trataram de desvirtuar aquela Portaria, incluindo que bastava ter a “escolaridade mínima” para exercerem funções em análises clínicas, radiologia, fisioterapia, etc…
Ou seja, aquilo que o legislador tinha pretendido equiparar por ser igual, exercer funções de alta qualificação como seja as análises clínicas, radiologia, fisioterapia, etc, teria que ter como princípio a exigência de formação específica e reconhecida, os interesses económicos e a falta de ética e deontologia dos proprietários de clínicas e consultórios veio a sobrepor-se ao papel regulador do Estado, colocando como continuam a colocar a Saúde Pública em risco.
3 – Regulamentação das Profissões
Resultado das constantes denúncias que, os profissionais e suas organizações profissionais iam elaborando aos responsáveis pelo poder político, a Assembleia da República através da Lei n.º 31/92 de 30 de Dezembro autorizou o Governo a legislar em matéria de actividades paramédicas no que aos seguintes pontos, entre outros, dizia respeito:
- Definir as respectivas áreas de actividade;
- Condicionar o exercício profissional á posse de diploma;
- Proibir que este regime seja alterado por regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho;
- Condicionar a criação de cursos.
Nesta conformidade, o Ministério da Saúde publica o Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho, que vem dar suporte executivo á deliberação da Assembleia da República, sendo posteriormente regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 320/99 de 11 de Agosto, que vem definir os princípios gerais em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica, bem como a sua regulamentação.
Lamentavelmente, mau grado a opinião que formulamos junto do Ministério da Saúde, foi criado ao abrigo do art. 11º deste último diploma um chamado “Conselho Nacional das Profissões de Diagnóstico e Terapêutica”, com uma composição que obviamente se destinava a não ser operacional e, por isso mesmo vir a permitir que tudo continuasse na mesma, ou seja, que as profissões de diagnóstico e terapêutica continuassem a estar sujeitas aos atropelos de indivíduos sem escrúpulos em objectivamente serem factores de risco para a Saúde Pública e delapidarem o Serviço Nacional de Saúde, que paga gato por lebre nas convenções que com esses indivíduos assina, como vamos demonstrar de seguida.
4 – Violação da Lei
Meramente a título de exemplo da incoerência e falta de acção que o poder político tem demonstrado, pelo menos, desde 1993 altura em que com fundamento no Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho poderia/deveria alterar o panorama do exercício das actividades de diagnóstico e terapêutica em prol dos utentes do sistema de saúde, constatamos e comprovamos as seguintes situações:
4.1 – Exercício nos diversos sectores dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica de pessoal, sem qualquer identificação e registo profissional.
4.2 – Contrariando os normativos legais em vigor o Infarmed, continua a aceitar “registo de prática” para a farmácia de oficina, tentando desta forma cumprir com a “Lei da ANF” e não respeitando a tutela daquele Instituto Público, tendo inclusivamente desrespeitado um Despacho do Secretário de Estado da Saúde e recusando entregar estas listas à nossa Organização, mesmo depois do Sr. Provedor de Justiça a tal os obrigar.
4.3 – Aceitação pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, da Convenção Colectiva de Trabalho publicada em Boletim de Trabalho e Emprego 1ª Série n.º 5 de 8/2/2005, violando deste modo o disposto no Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho que é bem claro no seu art. 3º n.º 2 ao invocar a imperatividade do seu conteúdo sobre qualquer acordo “inter partes”.
Mais, deliberadamente ignoram o reparo/exigência de cumprimento da Lei á Administração Pública como o fizemos e, obtivemos a resposta constante do (anexo 7) que nos abstemos de comentar…
4.4 – Mais uma vez o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social aceita uma convenção de trabalho sem respeito pelo Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho conforme aí se documenta e, tendo de igual modo obtido resposta que pelo seu conteúdo de sobranceria face ao cumprimento da Lei a que estão obrigados, nos recusamos a mais comentários…
4.5 – Se anteriormente denunciamos entidades privadas que têm a cobertura activa da Administração Pública para violarem a Lei, agora é uma instituição pública que “cria” um curso de “Técnicos de Análises de Água” (sic) para o universo aí descrito e para funções que estão cometidas em exclusivo aos Técnicos de Análises Clínicas e Saúde Pública.
Pelo relato que temos feito, não é pois de estranhar a resposta que obtivemos, lavando as mãos como Pilatos…. e acreditando não na Lei mas na palavra do funcionário responsável por grosseiramente a violar!
Sobre imparcialidade temos tudo quase dito….
4.6 – Continuando na senda da acção da Administração Pública, não podemos deixar de lamentar que o Ministério da Educação sob a capa do tão necessário como digno, curso profissional de nível secundário, venha através da Portaria n.º 1308/2006 de 23 de Novembro e Portaria n.º 1314/2006 de 23 de Novembro, “criar” cursos de “técnico auxiliar protésico” e “técnico de óptica ocular” quando tais áreas são das profissões de Ortopróteses e Prótese Dentária no primeiro caso e de Ortóptica no segundo caso, profissões essas elencadas no Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho.
Não bastando o Ministério da Saúde violar a Lei, ainda justifica os cursos criados invocando como o faz no n.º 2 das Portarias referidas que “ enquadra-se na família profissional das tecnologias da saúde” (sic) e na “área de educação e formação de tecnologias de diagnóstico e terapêutica” (sic)!!!!!
Mais palavras para quê?????
4.7 – O caso que agora trazemos ao vosso conhecimento, comprova aquela máxima tão do gosto dos burocratas ou seja, recebo o papel dou andamento se está tudo bem ainda bem, se alguma coisa viola a Lei, registo envio e deixo andar…alguém ficará com a batata quente que não eu…
Ou seja, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde comprova que o pedido de registo profissional ao abrigo do art. 8º do Decreto-Lei n.º 320/99 de 11 de Agosto, não pode ser aceite pela simples razão, comprovada, que não exercia funções de diagnóstico e terapêutica á data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho mas….nada faz!
Assim, comprovadamente o Ministério da Saúde tem conhecimento que ilegalmente alguém foi contratado para exercer funções de qualquer uma das profissões de diagnóstico e terapêutica mas, ao invés de utilizar os mecanismos da Lei para evitar o continuar reiterado da ilegalidade assobia para o ar pois até mandou o papel…
Comentários?????
4.8 – Quase para ser a cereja no cimo do bolo, só bastava mesmo serem os serviços do Ministério da Saúde a promoverem e darem cobertura, até mediática, ao exercício inqualificado nas profissões de diagnóstico e terapêutica.
Mas é isso mesmo que acontece!!!!!
Senão vejamos: o Ministério da Saúde publicita através do “Portal da Saúde” o rastreio gratuito do VIH/Sida através dos seus serviços do Centro de Aconselhamento e Detecção Precoce da infecção pelo VIH/Sida (CAD).
O que acontece é que essa detecção precoce da infecção pelo VIH/Sida é efectuada pela execução de uma determinação analítica, competência exclusiva quer de um Médico com a especialidade de Patologia Clínica, quer de um Licenciado em Ciências Farmacêuticas com a especialidade de Análises Clínicas ou por um Técnico de Análises Clínicas e Saúde Pública.
Mas nada disto é feito, ou seja, é um enfermeiro que elabora uma técnica laboratorial, exercício inqualificado, mas promovido pelo Ministério da Saúde que tem ao mesmo tempo esvaziado de competências analíticas os seus Laboratórios de Saúde Pública, para assim em consonância com os interesses da Industria Farmacêutica, gastarem milhões de €s, num teste cuja fiabilidade está cientificamente posta em causa.
Como diz o ditado “à mulher de César….” e certamente com esta atitude nada ingénua ou distraída, o Ministério da Saúde está a enviar uma mensagem sublimar aos operadores privados da área dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, de que se teve que legislar para dizer que há Lei, mas essa não é para ser cumprida.
4.9 – Para fechar este longo mas não completamente exaustivo relato, convêm atentar agora no conjunto de anúncios publicados na imprensa, que sob a capa de até terem a cobertura do Ministério da Educação, dos Centro de Formação Profissional do Ministério do Trabalho e Segurança Social, de “ditas” Escolas Superiores, de Ordens Religiosas, tentam aliciar os jovens para uma “carreira” de profissões inexistentes ou sem cobertura legal face aos normativos que de início vos apresentamos.
Deixando avolumar o facto consumado, não será de estranhar que dentro em pouco tenhamos as escadarias desta Assembleia da República repletas de “alunos” desses cursos e respectivos progenitores a reivindicar equiparação á formação legalmente ministrada nas nossas Escolas Superiores ou, como infelizmente se passa no dia a dia a serem contratados por Clínicas e Consultórios, sem nenhuns escrúpulos de colocarem em risco a saúde dos utentes ao permitirem que exames ou tratamentos sejam executados sem o mínimo de conhecimento técnico e científico.
5 – Petição n.º 373/X/2
Naturalmente que quando a nossa Organização lançou a Petição que hoje aqui nos traz, optámos por ser conscientemente sintéticos nas razões do nosso pedido e, para espanto dos colegas que contactaram com inúmeros utentes, é sua preocupação terem serviços de saúde de qualidade algo que sentem existir nos serviços públicos e que não estão certos de a eles terem acesso no sector privado, mesmo que as condições de instalações ou hotelaria sejam regra geral de maior qualidade.
Casos relatados de trocas constantes de exames, valores sem correspondência com o pré-diagnóstico médico, disparidade de formas de execução de um mesmo exame ou tratamento, não respeito por normas de Higiene e Segurança quer para o utente quer para o profissional, são acontecimentos constantes de que todos temos conhecimento mas que passivamente temos deixado prolongarem-se no tempo.
Por isso, no nosso entendimento, pensando ter explicado porquê se justifica uma Ordem para os Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, o para quê assenta fundamentalmente nas seguintes premissas:
1ª – O grau de desenvolvimento das nossas 18 profissões e sua autonomia funcional, está consignado e estabilizado com a habilitação académica de licenciatura, exigência primeira para uma Ordem;
2º - A riqueza comum destas 18 profissões viverá certamente de cada uma delas ser um futuro colégio de especialidade, ou seja o todo fará a força das partes;
3º - O objectivo de defender os interesses dos utentes dos serviços de saúde, a prestação de cuidados de qualidade garantindo a sua acessibilidade;
4º - A comprovada ineficiência do modelo assente no “Conselho Nacional das Profissões”, em que juntar representação sindical, associativa e institutos da administração pública tornou-o claramente inoperante e inoperacional porque dissonante;
5º - Falta de investimento das organizações do Estado, com funções inspectivas para o sector dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, em incluir nos seus quadros Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, ver o caso da Direcção Geral de Saúde (anexo 19) que para o universo de 18 profissões tem duas nos seus quadros;
6º - A necessidade do Estado honrar as suas Leis, de forma a que a visão que em 1993 se teve para este sector e estes profissionais, seja agora actualizada e complementada e, certamente o será, com a criação da Ordem dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica.»
2 comentários:
Muito bem dito!
Faltou referir um ponto, concorrência asfixiante de cursos sem saída que recorrem ao Mestrado em Análises Clínicas e de Saúde Pública e num ano formam um suposto técnico habilitado para trabalhar nos laboratórios. Violando a lei e colocando mais pessoal a exercer usurpação de funções.
É tempo de agir contra os interesses dos barões da saúde!
É verdade Slayer.
É por essas e por outras que não percebo onde anda o Conselho Nacional das Profissões de Diagnóstico e Terapêutica, que deveria ter sido criado como órgão de apoio ao Ministro da Saúde e que supostamente "resolveria" essas situações.
Que têm feito os sindicatos e as associações profissionais em relação a esta matéria?? Sabes? Alguém sabe?
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